Páginas

12 de novembro de 2012

Três personagens e um único desejo

                   Certo dia a seguinte frase me fez refletir sobre a incapacidade humana de compreender o divino dom de amar. “A vida é um sono, em que o amor é um sonho” proclamava uma voz. Certamente acrescentaria ‘onde o amor é um sonho possível’. Num mundo mergulhado em descrença e ilusão, diria que o sonho possível do amor só faz sentido quando relacionado ao amor incondicional do Mestre de Nazaré. Sempre que me recordo do seu amor/compaixão o traduzo com duas palavras: liberdade e serviço. 

                   Com a passagem do ‘jovem rico’, Jesus nos ensinar sobretudo a regra da verdadeira felicidade: “Vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres ... depois, vem e segue-me”. Penso que, em outras palavras, Ele nos diz: ‘somente quando fores realmente livre, serás capaz de compreender o meu amor’. Podemos pensar que o serviço prestado por aquele jovem, (dá o dinheiro aos pobres), traduziria o seu verdadeiro desejo de seguir Jesus. Mas, ao contrário do que lhe foi sugerido, abriu mão de toda a felicidade pelas suas posses: “ficou de semblante anuviado e retirou-se pesaroso”.


                     Já para ‘a mulher pecadora’ Ele não ordenou: ‘prostre-se e me adore’, mas tão somente: “vai e não peques mais”. Bastaram aquelas poucas palavras para que ela o seguisse por toda uma vida (até mesmo no momento da cruz), por compreender que o mistério da dor também a libertara.
                    Não compreendo a preferência de Jesus pelos piores homens da terra. A única coisa de que tenho convicção é que ele está sempre disposto a amar apaixonadamente aqueles que muito pouco têm a oferecer. Diante do meu ‘nada’ ele me dá o ‘tudo do seu amor’ que compreende e liberta.


Luciana Silva

Metade

Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.